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Wednesday, February 07, 2018

eu não tenho a menor ideia

se existe alguma verdade
ela é: não sei
não sei da minha vida
não tenho planos
não sei se a minha morte
está logo aqui ou longe

não sei quem me amou ou ama
quem gosta de mim
quem me abraçou de verdade
e sente falta

não sei direito a quem ajudei
se influenciei alguém
quem se emocionou com algo que fiz

eu não sei quem pensa em mim com amor
não tenho a menor ideia de quando fui marcante
ou se fiz chorar por algo bonito
será que lembram de mim no sniff?
no que sobrou do loreninha?
ou da parede de uma casa aos escombros
em arraial do cabo?

quem comprou discos de jazz comigo
em ipanema?
quem me ouviu em mesas de bar?
eu não tenho a menor ideia
se sou importante para uma única pessoa que seja
e realmente não penso nisso:
o que fiz e tenho feito é ser sincero
amar e ajudar o próximo
desde os tempos em que fiz uma promessa
quando era um garoto com o mundo pela frente
quando fred era meu amigo inseparável
e jogávamos botão à tarde numa mesa de tacos

eu não tenho a menor ideia
de quem me lê ou escuta
quem sorri com minhas pequenas trapaças
em versos tortuosos e nada óbvios

quem entende por que vivo numa guerra particular
chorando e vendo os destroços da gente
amontoados debaixo das marquises?

eu não sei
sobre os piores futuros que se avizinham
sobre o meu tempo
que é cada vez mais perto do fim
do que do começo
das coisas que passam velozes
feito a paisagem numa bela janela
do vlt
eu não sei dizer
porque gosto tanto de miles davis
e jorge mautner e carlito azevedo
de rubens figueiredo e cacaso
e também jards macalé - tom zé
como se todos estivessem comigo
a conversar sobre o nada - uma ilusão

eu não sei dizer
porque sempre choro no cinema
e sofro tanto com a dor de um mundo
que não tem solução
nem que eu fosse egoísta
e só pensasse em mim mesmo
eu não sei dizer
se whatsapp é amizade mesmo
se normalidade é distância e frieza
não sei dizer o que é normal
no dito mundo dos adultos
o quê?
                  [aqui padeço a cada dia
                   como se cumprisse uma pena

eu não entendo o mundo e seus rancores
suas vaidades ocas
o pedantismo reinante
se vamos todos um dia
ser carne apodrecida ou cinzas
numa caixinha
é tudo tão inútil

eu não tenho a menor ideia
eu não tenho a menor ideia
eu não tenho a menor ideia

mas nem isso me liberta
e sigo vivendo até não sei quando
o que virá

a luz no fim do túnel
o desabamento final
ou qualquer coisa muito diferente
de todas as que pensei
e vivi - até aqui quase nada
fez sentido mas talvez
o grande lance seja mesmo este:
ficamos a procurar pela vida inteira
o que não existe
o que faça sentido porque
na verdade a vida e o sentido
devem caminhar em paralelas perfeitas

                             [elas jamais se cruzam

eu não tenho a menor ideia
eu não tenho a menor ideia


@pauloandel 

2 comments:

Jackson said...

Maneiraço.

Caíque Pereira. said...

Beleza!!!