Translate

Saturday, December 30, 2017

quinze anos

Eu andava com meu amigo Xuru pela Domingos Ferreira até que chegamos ao prédio onde ficava o grande apartamento de seus padrinhos, falecidos um ano e meio antes - lá fizemos uma grande festa de Réveillon que não deu exatamente certo. Não podíamos mais subir: parentes do Sul, subitamente surgidos, mandaram trocar a fechadura para que não entrássemos mais no apartamento. A missão era apenas pegar as contas na caixa de correio para pagá-las.

Xuru passou a vida inteira frequentando aquele apartamento e, se justiça houvesse, teria herdado o imóvel: era tratado como filho. Foi um pacote duro: além dos padrinhos, ele tinha perdido a mãe e acabara de se recuperar da primeira cirurgia do câncer que o vitimaria menos de três anos depois.

Depois de pegarmos as contas, ficamos olhando para a fachada do luxuoso prédio onde entramos tantas vezes. Segundos depois, ele disse "Paulón, foda-se esse apartamento. Ele só me importava por causa dos meus padrinhos. Se querem ganhar dinheiro com essa merda, que ganhem". E fomos embora, talvez para comer um lanche e tomar um chope.

Esta cena completa exatamente quinze anos hoje.

Xuru foi embora de vez em 2005. Ontem, teria feito 47 anos. Não chegou aos 35. Foi uma luta enorme até o fim. De lá pra cá, muitas coisas mudaram, algumas delas para pior, outras não. Perdi minha família, fiz novos amigos - o Leo hoje é uma espécie de Xuru sem a filosofia, digamos, "bring on the night". De resto, o mundo ficou mais colérico e odioso, o que atinge a tudo: a política, a sociedade, o cotidiano e até mesmo o meu Fluminense, do mesmo jeito que fizeram com o Brasil em 2015.

Este foi um ano de merda. Vi amigos sendo demitidos, pessoas passando mais necessidades, a fome está a olhos nus pelas ruas - só não vê quem não quer - e, no fim das contas, muitas vezes o próximo não está nem aí para você - e depois os outros bichos é que são irracionais. Ok, publiquei três e-books tricolores para download gratuito e, finalmente, dois pocket books sobre o centro desta cidade devastada. Vi grandes shows, namorei, ganhei elogios, involuntariamente também alimentei recalques de gentinha, acontece. Estou vivo, com alguma saúde. Vamos em frente, sem pensar muito. Eu não penso somente em mim e isso é o que me encaminha à infelicidade, mas não me arrependo.

Começarei o ano cheio de problemas, com pouquíssimo apoio e precisando manter a casa em pé, enquanto assisto nas ruas ao sórdido espetáculo diário do sofrimento coletivo. Vida que segue, diria o mestre Saldanha. Vamos para mais uma tentativa. Estou cansado. Muito cansado. Mas é nessa hora em que o sprint é necessário, mesmo sem família, sem Xuru, testemunhando a agonia de um país golpeado, pensando em gente feito meu tio Mendel, que arriscou a vida para defender esta merda e que,  deprimido no exílio, cometeu suicídio. Ou sabendo que meus amigos de hoje vivem a vida muito mais pelo Whatsapp do que por qualquer outro meio.

Sem medo nem esperança, olho para trás e me recordo de uma bela lição do meu amigo: o ser humano é mais importante do que qualquer bem material. E mesmo que pareça uma bobagem, eu vou com ela até o final. Só me resta escrever.

Onde está o Xuru?

No comments: