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Friday, August 18, 2017

feliz ano nenhum

a violência aí está para estilhaçar o viço dos dias. ela sempre esteve, ao menos para aqueles que têm mantido seus olhares mais atentos a trezentos e sessenta graus em vez de trinta. ela sempre esteve solta, morando de aluguel no apart hotel dos olhares indiferentes, na opressão infame das comunidades carentes, sobre a mira dos fuzis covardes que estraçalham sonhos e trajetórias. a violência aí está diariamente embarcada na baía de guanabara ou deslizando pela via dutra. hospedada em confortáveis escritórios das grandes corporações, cujos prédios são batizados com nomes estrangeiros, e onde raramente se vê um negro ou nordestino que não seja em funções serviçais. lá está a violência em forma de mãos mendigas estiradas na calçada suja enquanto um executivo só passa perto do pedinte por obrigação. olhares, olhares, olhares de desprezo, de aparte, de afastamento. a violência é fácil de ser entendida quando algum boçal profere a frase “é preciso ensinar a pescar em vez de dar o peixe”, e então todos percebem que o orador nunca pescou uma bola à beira de um lago. a hipocrisia é a mãe de todas as violências. a violência é o egoísmo, o imperialismo financeiro, o racismo, o nazismo, a cólera e tudo que se vê facilmente num telejornal. os mortos pela fome, pela miséria, pelo abandono, enquanto há quem espere o próximo feriado, o recesso de natal e um feliz ano nenhum, feliz ano nenhum, nenhum.

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