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Tuesday, July 31, 2012

On the corner


acho que te vi numa rua
da grande cidade                            (talvez Gonçalves Dias, talvez Sete de Setembro)
conversando com outra garota
bonita
a caminho do metrô
acho que te vi pela tatuagem
perto de uma camiseta
verde e tão sexy e responsável
enquanto respeitáveis
senhores te fitavam com dobro de ardor            (ontem – agora – talvez sempre)
acho que te vi
falando da vida em foco
ou hiatos e romances
ou pequenas centelhas
num momento rush hour
e isso muito admirei:
tão bom que até dispensei baratos – adeus, rancor
acho que te vi ao longe
com sorte, sem recato
brilho de lua aos pés de agosto
delicia nua a navegar por entre
as nuvens
e o que eu mais fale
pode suceder amor

paulorobertoandel
30072012
@pauloandel

Monday, July 30, 2012

Quando o verão se for






Agora sou tão velho. E quase outro. Curioso é navegar pelos cantos escuros de minha memória, revendo tudo o que já foi há muito perdido mas, num estranho passe de mágica, parece ali tão evidente e claro, sem a menor importância se o que vejo tem vinte ou trinta anos atrás. Pois bem, agora sou outro. Vivi muitas vezes, morri em quase todas, mas sobrevivi para chegar até aqui e olhar todo o passado, como se fosse na visão romântica de quem, por exemplo, atravessa a ponte no sentido Niterói-Rio numa terça-feira à noite, bem noite, e ainda se encanta com as luzes da cidade – até mesmo as vistas nas localidades mais carentes, cercadas por sofrimento, parecem sorrir aos céus. E sobrevivi inesperadamente segundo meus próprios conceitos rústicos: por alguma razão, quando pensei em idade no tempo em que era garoto, achava trinta anos uma eternidade, algo muito longe, impossível de alcançar. Dessa feita, caminhar rumo aos cinquenta anos tem sido uma experiência surpreendente. Talvez pareça menos do que tenho, talvez muitos riam do que falo e, por isso, me achem alguém admirável e divertido – pode ser verdade, mas não tenho me divertido comigo mesmo nestes dias em que o gris das tardes troca as mãos com réstias de sol. Estranho pensar que algumas das pessoas que considerei mais admiráveis estão irreversivelmente mortas, mesmo que permaneçam à luz do dia por meio da arte, das expressões, das lembranças pequenas e grandes. Posso lembrar de meus pais a cada instante, suas frases, caretas, brincadeiras e discussões; vivem em meus pensamentos, mas estão irremediavelmente mortos. Xuru é uma referência constante de piadas em todos os sentidos, mas não me canso em lamentar que esteja morto. Fred, meu grande anfitrião de tantas jornadas desde sempre, permanece vivo à mente e completamente morto em meu telefone. Minha amada mãe. Tatiana. João. Todos estão irrecuperavelmente mortos e, quando começo a escutar Thelonious Monk ou Tom Jobim ou Jon Lord numa tarde de sábado em casa, percebo que parte da minha vida foi embora com eles, mesmo que estejam aqui de alguma forma – ou estão, acho. Alguém me disse que eu deveria ter comemorado meu aniversário, mas acho isso absolutamente desnecessário para mim (não para os outros) – é que constatei estar muito, mas muito longe das coisas que eu imaginava perto de mim na juventude, de modo que esta distância também torna tudo um pouco irremediavelmente morto. Claro, muitos dirão que a vida começa aos quarenta anos, mas não tenho como acatar isso: aos dezesseis, já havia meninas a fim de carinho sem compromisso, o eterno belo horizonte no mar do Leme e incontáveis acampamentos, viagens e experiências - tudo, hoje, irremediavelmente morto. Outros dizem por que, na verdade, isso é uma forma de talvez não se sentir tão desconfortável quando comemora um aniversário e parece muito mais perto do fim do que do começo. Mas agora isso pouco importa, eu penso no hoje, no logo mais e não há muito tempo para refletir sobre o que há de sombrio no futuro. Simplesmente não há tempo. Não temos tempo a perder quando somos jovens, não temos tanto tempo para qualquer coisa quando ficamos bem afastados da juventude. Há um futuro lá fora que não me pertence. O egoísmo, a hipocrisia, a falsidade, a prepotência, valores mofados que não significam nada diante de cadáveres, nada. Dizem dos tempos modernos, dizem do futuro, mas que presente é esse? Talvez não possa reclamar: quando optei por determinados caminhos, sabia que eles seriam os mais difíceis e tortuosos e nunca me arrependi deles, independentemente de qualquer tristeza. Quero ouvir Kurt Cobain gritando “It's better to burn out than to fade away”. Quero ouvir os Beach Boys cantando “Summer’s gone/ gone like yesterday/ The night’s grow cold/ It’s time to go”. O orgasmo da morte me interessa, mas tlvez seja cedo demais. Estou muito longe de tudo, mas isso tudo não quer dizer da última noite, menos ainda a última história. Ainda haverá um verão invencível.




paulorobertoandel30072012


@pauloandel

Wednesday, July 25, 2012

Nossas vidas escorrem



Nossas vidas escorrem

Somos tão respeitáveis, em busca de uma impossível pureza que disfarce os pensamentos mais soturnos. 

Enquanto isso, desfilamos por nossa cidade engarrafada no asfalto e nas calçadas; as ruas são artérias entupidas, mas pulsam como nunca. 

Os arranha-céus se esbarram com estranha fidalguia, mas o mesmo não se pode esperar dos transeuntes que correm em busca de condução – principalmente aqueles que, sabe-se lá por que, vestem-se com ternos mais caros. 

As mesmas calçadas hospedam sonhos e desilusão: trabalhadores, empresários, ambulantes, meninos de rua, mulheres sonhadoras, jovens ambiciosos, cavalheiros humildes, entusiastas religiosos, sofredores maltrapilhos, torcedores, mensageiros, estudantes, homens inescrupulosos, adeptos de pequenos crimes, pessoas de indubitável valor moral.

Então ficamos no vaivém das palavras, dos sonhos, das responsabilidades, dos compromissos e sempre à caça do ouro que se chama tempo livre, tão ouro quanto a água e o oxigênio ou ainda a floresta.

Passamos o dia respondendo e-mails, olhando mensagens, atendendo pessoas, fazendo perguntas, elaborando respostas e ele, tempo, senhor implacável da razão, faz-se trem de pouquíssimas paradas onde possamos embarcar e dele aproveitarmos bem.

Parece estranho que a violência seja tão fascinante, a ponto de alguns dos nossos não mais se espantarem com as aberrações a olho nu na televisão. O que dizer de um ídolo do rock esmolando nas ruas? O que dizer das crianças e idosos que fazem das marquises a única promessa de um lar? O que dizer dos mais perdidos, que fumam crack para aliviar a dor de suas almas e, com isso, apressarão o caminho inevitável para a morte?

Em tempo real, sabemos das mortes, acidentes, crises e tudo o que deponha contra o bem supremo: a vida humana. Mais tarde, confortavelmente instalados nas salas, a novela há nos de mostrar que cada ser humano vale meio centímetro de consideração - segundo os preceitos dela, claro. O jornal impresso dirá que seus amigos - os dele! - são as pessoas de bem, enquanto os corruptos são os outros. Os outros, sempre os outros.

Não dá tempo de respirar. Hoje é o fim de julho, talvez o mundo acabe em dezembro, o inverno quer se despedir, já pensamos nas compras de Natal, a festa de fim de ano, o carnaval, a Copa do Mundo, as Olimpíadas, o outro carnaval e o tempo flana ligeiro, voa rasante por nossas dimensões humanas e segue para onde não sabemos ao certo dizer.

As cartas na caixa de correio querem dizer de grandes ofertas, cartões de crédito, viagens imperdíveis e, claro, cobranças. Cobranças. Cobranças. Você será punido, você será ameaçado, você precisa pagar as contas porque esta é sua obrigação para que a máquina funcione, embora não se saiba bem a serviço de quem – ou até se sabe.

Outro dia, éramos jardim da infância. Agora, alguma maturidade. Daqui a pouco, respeitáveis senhores, tanto quanto estes que ocupam a avenida Atlântica, a Rio Branco e outros logradouros de garbo. Tudo passa num tufão de pensamentos e atos que, quando notamos, estamos a falar de coisas de dez, vinte ou trinta anos atrás. Nunca temos tempo. Pouco importa riqueza ou miséria nisso, o tempo não se mede em valores – e se esvai com notável velocidade. 

Então olho para um lado, o outro, estou cercado de paredes brancas enquanto alguém cochicha noutro espaço da empresa. É quarta-feira, mas parece sexta. Estou de férias, mas faço vários cálculos. Um querido amigo, Luiz Carlos, fala comigo por meio eletrônico e me lembra de que hoje é o dia do escritor. Automaticamente penso em Ivan Lessa. 

Tenho que comprar remédios, sinto fome, estou bastante insatisfeito com tudo e, olhando ao redor, por um segundo eu penso em como estou tão distante de tudo o que pensei aos catorze ou vinte anos de idade, tempos em que a juventude era o caminho a seguir. 

Perto daqui, pessoas morrem neste instante no Souza Aguiar e no Inca. Alguém sente fome. Alguém quer ser amado. Pouca gente está preocupada com a dor de quem sente dor.

E tudo virou o que chamamos de tempos modernos.

Prefiro dizer que são vidas que escorrem.


Paulo-Roberto Andel, 25/07/2012


(Em memória de Ivan Lessa e em modesta homenagem ao dia do escritor)

Tuesday, July 24, 2012

Onde?

aqui:
lugar tão bonito
onde não caibo
em nenhum espaço
confortável - 
é que preciso de carinho
contra mágoas
conforto contra tristeza
bondade contra 
o convencional
mas só esbarro em vitrines
e preços
e modas
enquanto as pessoas
flanam tranquilamente
à caça de objetos, objetos
e pequenas formas de poder.
não caibo aqui
não me importo com grandes 
lojas e tecidos e marcas
não me importo com as
novidades
e qualquer pé de árvore
tem mais sinceridade
em meu necessário
conforto

paulorobertoandel24072012

Visite também www.panoramatricolor.com.br


Friday, July 20, 2012

Agora um ontem


agora somos quase nada:
palavras vazias, tardes curtas
e nenhuma solidão é calma
somos tão amáveis
respeitáveis e assepticamente
vazios
diante de tudo o que, um dia
soubemos erguer
agora somos vozes sem eco
o vizinho alheio ao lado
a indiferença diante dos que
esmolam
o dar-de-ombros a quem não
parece forte
ficamos perdidos
zonzos
meio sem papel definido
nesse admirável mundo
corporativo de posses
poderes, ostentações
e uma solidão de rasgar mil
corações
a mil
paixões a mil desintegradas
- eu não tenho
- você não sabe
- você não me importa
- não faço sentido
agora arranha-céus esfaqueiam
nosso horizonte
e tudo é cinza e concreto
e com objetivos definidos
agora tudo tarda
porque nunca fomos tão
tristes
solitários
navegadores de barco sem mar
e românticos
enquanto a fumaça sobe no asfalto
transeuntes são pinos de boliche
ordem e progresso são incerteza
e nada mais


Paulo-Roberto Andel 20/07/2012

Sempre muito atual...

Televisão

Titãs

A Televisão
Me deixou burro
Muito burro demais
Oi! Oi! Oi!
Agora todas coisas
Que eu penso
Me parecem iguais
Oi! Oi! Oi!...
O sorvete me deixou gripado
Pelo resto da vida
E agora toda noite
Quando deito
É boa noite, querida....
Oh! Cride, fala pra mãe
Que eu nunca li num livro
Que o espirro
Fosse um vírus sem cura
Vê se me entende
Pelo menas uma vez
Criatura!
Oh! Cride, fala pra mãe!...
A mãe diz pra eu fazer
Alguma coisa
Mas eu não faço nada
Oi! Oi! Oi!
A luz do sol me incomoda
Então deixa
A cortina fechada
Oi! Oi! Oi!
É que a televisão
Me deixou burra
Muito burra demais
E agora eu vivo
Dentro dessa jaula
Junto dos animais...

Thursday, July 12, 2012

Cotidiano/ A poesia



COTIDIANO

Quando ouvi há pouco Johnny Hartman cantando “It Never Entered My Mind” num vídeo do Youtube, tive vontade de chorar. A canção bela, doce, sofisticada, imediatamente me soou como perda do que não aconteceu, meu amor que morreu sem florescer, o vazio de quando se está sozinho no mundo mesmo que a cada dia uma bela mulher diferente divida seu colchão. Mas talvez não tenha sido só por isso. “A cada hora que passa, envelhecemos dez semanas”, ensinou Renato Russo. O tempo nunca será o suficiente para vivermos tudo o que gostaríamos. O dinheiro nunca será o suficiente. Os problemas estarão sempre presentes e serão mais implacáveis do que qualquer grande alegria. Horas antes, lembrei de que hoje seria o dia de mais um dia comum: ligar a televisão, assistir os grandes congestionamentos da cidade, a dificuldade das pessoas em chegarem ao trabalho. Um crime, um assassinato, a violência tão pútrida, imbecilizada e solta feito fera a troco de nada. As pessoas chorando e sentido dores na porta de um hospital onde não serão atendidas, onde não há vagas e onde alguém morrerá por alguma ação de descaso. Turistas roubados, ossadas nunca encontradas, crianças roubadas na maternidade. Crimes impunes. A patética verborragia barata de um senador a minutos de sua morte política. A cidade não dorme e, enquanto desfila sua beleza em generosos decotes da Mata Atlântica ou do Atlântico Sul, muitos fazem do viver a rotina, o cotidiano entre desmaiar de sono, recobrar-se em pleno caos e viver sem muito sentido, onde cada pequeno divertimento é a réstia das poucas horas. Untando o tabuleiro, tome ingratidão, indiferença, injustiça e falsidade. Ontem, testemunhei um pouco disso tudo contra mim mesmo, o que fez lembrar de minha mãe numa tarde de 1981: “Cuidado, meu filho, os amigos são poucos e muita gente vai passar pelo caminho, lá na frente são muito poucos os que vão estar ao teu lado”. As mães sabem das coisas, mas não ficam para sempre conosco. Quantos não foram embora, quantos não se esconderam atrás de amém, quantos foram falsos e planejadamente vingativos? Isso não impediu de chegar até aqui, onde dizem ser idade madura, mas onde o chão é tão frágil, as coisas tão esfareláveis, a certeza de que a maior parte do tempo já desceu à base da ampulheta, “a cada hora que passa envelhecemos dez semanas”. Deve haver algum sentido para sermos tão respeitáveis, molas propulsoras do estado dinâmico e moderno e, ao mesmo, tempo, passarmos a vida mendigando tempo onde se possa provar as pequenas balas de açúcar que chamamos felicidade. Deve haver algum sentido, quase que um desafio, quando os piores sentimentos humanos afrontam o nosso caminho. Deixo Johnny Hartman e penso em “Dark Side of The Moon”, talvez um dos grandes apogeus de descrição da decadência humana, tão bem-feito pelos jovens ingleses do Pink Floyd que, hoje, sendo eles senhores perto do crepúsculo – Rick Wright e Syd Barrett mortos – pouco há a superar naquelas melodias e letras que, a seu modo, capturam os lados mais sombrios da alma humana. Deve haver um sentido, mas não é certo que tenha. Enquanto isso, resta esperar, contar as horas e esperar novamente o próximo desmaio, mais o próximo despertar em plena tempestade enquanto o novo noticiário desfila velhos novos crimes, velhos novos personagens, novas vítimas e uma cruel realidade muito, mas muito distante de tudo aquilo que se convencionou chamar de sociedade. Alguém me disse debochadamente um dia que, por tal raciocínio, eu deveria morar em Cuba. Respondi: “Deve ser difícil ter Guantánamo nos arredores”. Fui um tolo: porque quem despreza Cuba há de se preocupar com Guantánamo? E mais não sei dizer.

paulorobertoandel12072012


A POESIA

A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.”
 
"Tratado geral das grandezas do ínfimo", Manoel de Barros

Censura: a Plebe no Chacrinha

Milton e Elis

The colorful side of the moon


Wednesday, July 11, 2012

Os barcos da Urca


em breve, chega a noite enluarada de julho
e seu frio um tanto sulista, falsete carioca em alarme enquanto
sorvo café amargo e Jards Macalé soa mais blues do que nunca -
"Nessa manhã de louco todo mistério é pouco" -
enquanto pareço tão cruel comigo mesmo
uma pena que você more tão longe
e durma tão longe
e goze tão longe que não posso te provar
nem mesmo vê-la dançar nua na praia como Isadora Duncan fez
no areal deserto de Ipanema
"pretty city lights"!
nós nunca vimos de mãos dadas
o atracar dos barcos nas pedras da Urca
nunca trocamos beijos e carícias de afeto no caminho
do Leme e sequer me permitiu bolinar-te
nas escadarias modernas do bloco F
mas eu sinto o calor das tuas mãos de alguma forma
nem que seja num simples e-mail
e conjugo tuas coxas, persigo tuas curvas mais as duas najas
verdes que locupletam o teu olhar
hoje somos tão pouco, quase nada ao longe
quase tudo diante do que nunca fomos ao certo
e isso me inibe a ponto de não chutar
tudo para o alto! mãos ao alto!
e dar o fora daqui, te sequestrar, levar a um jardim de sonhos
imaginários
todo colorido em azul-limão, verde, roxo e gris
feito meus tempos de criança - 
dez mísseis psicodélicos disparados em torno desse quase luar
ora, nunca nos abraçamos na Praia Vermelha e nem trocamos
carinhos ousados nas poltronas do Roxy
nós nunca vimos de mãos dadas o impecável crepúsculo da Urca
a sangrar expondo a carne viva!
e isso me fz tão mal: parece que, ao teu lado, viver faria sentido.
"big city lights"!
- o poeta já não sonha, já não dorme, esfarela os amores, apenas repousa 
para se esquecer
de toda fúria e dor, todo rancor e desejo
porque você não está aqui
porque você não está aqui
porque você não mora em mim
e isso tão-somente quer dizer
da simplicidade que julgamos ser fim

paulo-roberto andel 10 07 2012

"there's never a forever thing"




Monday, July 09, 2012

Só morto!

Saturday, July 07, 2012

História em quadrinhos - Sganzerla

Pequenos fragmentos de uma paixão inútil



Pequenos fragmentos de uma paixão inútil


Quando estava sozinho naquele quarto de hotel semana passada e surgiu uma garota de ocasião, pensei em você. Ontem, trocando beijos inúteis com outra mulher, cobicei você. Tem sido assim nos últimos anos, desde que reparei em seu olhar algo de naja e isso me encantou, o encanto de cobra verde que Glauber Rocha mencionou certa vez. Achei que fosse apenas desejo, tesão, admiração física, achar você linda e atraente, linda e sexy, linda e adorável. Mal trocamos palavras, sequer viajamos, não nos beijamos, não oferecemos carícias um ao outro num cinema em dia de filme chato. Estamos longe, moramos longe, nossas vidas não se cruzam, não sei de nossa afinidade. Mas eu penso em você. Incomoda-me saber que talvez não esteja feliz dentre os lençóis em certa noite com algum companheiro – queria estar a seu lado, nem que fosse somente para apagar a luz e ver as estrelas imaginárias do teto de concreto num quarto qualquer. Estamos longe, muito longe, mas o fato é que, sem maior motivo, tenho pensado sempre em você. Era e é querer o teu gosto, teu sexo, tua mão esquerda entrelaçada à minha, mesmo que fizéssemos quase nada numa lateral do Central Park ou num restaurante em Guaratiba. Podia ser um simples passeio pela rua Halfeld em Juiz de Fora, podia ser uma exibição de balé contemporâneo no João Caetano da Praça Tiradentes. Podia ser também um café no CCBB um uma leve caminhada pelas ruas mais discretas do Leme. São fragmentos de uma paixão inútil: você não pensa em mim, não me cobiça, não se interessa pelo que eu faço e não há a menor possibilidade de que esse quadro se altere por ora. Pensei que quando chegasse à idade madura, estaria livre destes percalços da paixão: a coisa de pensar a cada instante, de querer a todo custo, a intranqüilidade saudável da adolescência rediviva. Tudo em vão. Não há eco. Não há retorno. Agora você dorme noutro quarto, outro cavalheiro tem acesso às delícias do teu corpo, a tua boca mora longe de mim. Agora eu fico insone noutro quarto, vasculho seios e coxas e intimidades de mulheres para tentar encontrar você e não consigo. Tudo parece sem sentido. Por que me deixei cair em tal armadilha, logo que eu já passei por tantos caminhos e estava tão vacinado contra este tipo de situação? Já se foram dois, três, cinco anos e permaneço inebriado, encarcerado neste sentimento inútil que não desaparece mesmo que mil mulheres atravessem o meu caminho – nos sonhos mais lascivos, mais temperados com o ardor erótico, só você se revela. Sou um homem velho, vivido e há muito devia ter deixado estas hipérboles de lado, mas ainda não consegui. Nem sequer te procurei; um dia, na primeira vez em que te vi, estavas tão linda e deliciosamente provocante em tua sobriedade que, tranquilamente, eu poderia ter ido para casa e desfeito meu casamento. As águas não têm sido mansas em meu barco de atravessar o oceano, mas tudo o que eu queria era estar em minha Copacabana que hoje faz aniversário, queria ser as outras águas do Leme e ter você nua  - te envolver, refrescar, molhar teus cabelos e servir-te de um longo e delicado abraço que, aos poucos, te apertasse por completo, de cima a baixo, até que fosse plenamente minha. Hoje, Copacabana não dorme e eu, ao longe, descanso depois de uma noite de sexo sem felicidade, espio o teto de meu quarto e procuro por você. Não há sinais. Agora você dorme noutra cama e noutra cama, nenhuma delas comigo, e reside em outros sonhos, faz planos, espera outros acontecimentos. Eu não sou sequer o teu dia seguinte, a esperança, não faço parte dos teus planos. Preciso dormir e voltar a sonhar outros sem a tua presença. Mas, se isso realmente acontecer, saiba sempre de tua eterna importância dentro do que mais prezo: amor. Não preciso chorar: a vida é só um instante entre dores, perdas e mistérios inexplicáveis. Um dia, a paixão pode passar; o amor, contudo, é monumento permanente.


Paulo-Roberto Andel, 07/07/2012

@ pauloandel

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Monday, July 02, 2012

O tempo não para

Era uma vez na América...